“O amanhã não está assegurado a ninguém, jovem ou velho. Hoje pode ser a última vez que vejas aos que amas. Por isso não esperes mais, faça hoje, já que se amanhã nunca chegar, seguramente lamentarás o dia em que não tomastes tempo para um sorriso, um abraço, um beijo e que estivestes muito ocupado para conceder-lhes um último desejo” (Gabriel Garcia Márquez)
01/04/2009
Levantei naquela manhã com o coração pesaroso, uma angústia, sem nenhuma explicação visível. Fiz minhas orações de agradecimento, tentando dissipar aquele sentimento incomodo tão forte em mim...
Passei o dia tentando por toda energia no trabalho, mas a tristeza parecia agigantar em meu peito, resolvi tomar um banho e permaneci um bom tempo sentindo a força da água em meu corpo, tentava assim aliviar aquela tensão inexplicável que teimava em permanecer comigo.
No dia seguinte meu irmão Med veio em casa e percebendo minha tristeza perguntou-me o que tinha, disse que não sabia explicar, mas que sentia uma grande tristeza, como se algo muito ruim fosse acontecer. Sorrindo me disse: que bobagem mana, relaxa!
De tarde estava atribulada de trabalho, precisava dar conta de todas aquelas cópias e levar para faculdade. Nesta época, fazia o curso de Letras na cidade de Seabra e, morávamos em Palmeiras no Estado da Bahia, sobrevivendo com a mini gráfica que ficava instalada na sala de casa...
De repente chegou Mariane, tão doce, tão bela no colo da avó materna. Ela com apenas 1 ano e 8 meses ali me dando os braçinhos ávidos por meu abraço, mas estava correndo, precisava ainda separar, organizar todas aquelas páginas, grampear... Enfim já eram mais de 17h e o carro passaria às 18 para me pegar... Sorri para ela explicando que não podia pegá-la e enquanto saía jogava beijos... que coisa mais linda, que imagem mais terna ... aquele sorriso inocente, aquele brilho no olhar...
Na faculdade, no intervalo, encontro com a Diretora no pátio muito abatida e, apesar de ainda estar angustiada, com aquela tristeza inexplicável comecei a falar de coisas positivas para a mesma tentando reanimá-la. Isso é uma característica de minha personalidade, querer ver o outro bem e feliz... De repente Lan avisa que há uma ligação para mim na secretaria. Estranhei o fato, quem poderia estar me ligando? - Disse que era de minha casa... Sai correndo...
Alô, digo aflita, uma voz feminina pergunta: - é Kátia? – Sim sou eu! Então o silêncio... Alô! Alô! Insisto... Ouço a voz de Rafael, meu filho mais velho, chorando e gaguejando – mãeinha... mãeinha... ai mãeinha Mari caiu... Mãe Mari morreu...
Não podia acreditar naquelas palavras, fiquei totalmente anestesiada, sem ação... O rapaz da secretaria percebendo a palidez de minha face foi em busca de minha prima Núbia. De repente a sala estava repleta das pessoas de minha cidade que estudavam lá... Meu Deus não podia ser... Estive com Mariane naquela tarde...
Fomos todos embora, eu permanecia calada, apenas orava a Deus rogando forças para enfrentar tudo aquilo... A cidade parecia deserta, passamos pela casa de meu irmão Med, ele era o pai dela, não havia ninguém, assim como na casa de meus pais. A cidade estava estranha, ninguém nas ruas, um silêncio assustador... Nos dirigimos então, para o Hospital e lá estava praticamente toda a população, tanta gente que senti dificuldade de enxergar os meus... Vejo de repente meus filhos, os três, num único abraço chorando copiosamente... Mas, precisava ver meu irmão, ele que devia está precisando de toda minha força naquele momento. Cruzo com minha mãe inconsolável e quando consigo atravessar aquela multidão de gente os vejo, meu irmão ali abraçado a Mari desesperadamente pedindo que ela acordasse...
Ao tentar me aproximar, sinto um braço me puxar. A enfermeira então me diz: ele precisa entregar a menina, a ambulância esta esperando, precisa ir para Itaberaba fazer autópsia e já tem mais de uma hora que estamos aguardando...
Olho para meu irmão com todo amor que possa irradiar naquele momento, a dor é dilacerante, mas o meu amor é ainda maior, o abraço e juntos choramos. Ali em oração peço orientação a Deus, que momento difícil... Mas as palavras fluem e o meu amor o abraça e ele me entrega a filha... Quanto doeu naquele momento tê-la ali em meus braços, como doeu aquele abraço que não dei... A dor parecia rasgar toda minha alma... Abraço seu corpo inerte, sem vida ...
A ambulância sai, um primo os acompanha. Precisamos voltar para casa, vamos todos para casa de meus pais, a casa enche, a dor é intensa... Fico sabendo que Mari brincava com a mãe em cima da cama jogando um ursinho de pelúcia uma para outra e, de repente o brinquedo cai atrás da cama, minha cunhada se vira para pegar, de repente... Mari cai, parece desmaiada, a mãe sai em busca da vizinha, não encontra ninguém. Vai em busca de Leu, meu outro irmão, ele ainda faz respiração boca a boca e sai desesperado correndo para o hospital com ela nos braços. Um amigo o ver correndo alucinado, pega o carro, o alcança, mas ele nem olha, permanece correndo. Todavia, Mari já estava sem vida desde o momento que a encontrara.
Foram dois dias de desespero numa espera angustiante, pois estava tendo um congresso em outro Estado e não havia ninguém que pudesse fazer autópsia em Itaberaba. O corpo é levado para Feira de Santana e somente depois de localizar uma pessoa amiga o processo foi agilizado... Meu irmão entra em estado de choque é internado...
Os amigos chegam de todos os lados. Luciano Pimentel, um grande amigo, ou melhor, um outro irmão chega de Salvador trazendo com ele tanta força e tanto afeto. Nossa casa permanece sempre cheia, as pessoas assumem a cozinha, a limpeza, enfim aparece gente para tudo, nunca em toda minha vida vi tamanha solidariedade...
A família de São Paulo entra em contato, jamais poderia esquecer o imenso gesto de amor de minha prima/irmã Rita de Cássia, filha de tio Adroaldo, embora distante, esteve, com certeza, bem presente.
Meu coração parece que vai explodir. Os filhos, os sobrinhos, os avós, os tios, os irmãos, todos inconsoláveis... Um deles, Breno, estava em São Paulo e chega desesperado. Saio escondido de vez em quando para ir em casa chorar, me refazer... Neste período contei muito com a força e o amor de Jô que permaneceu ali o tempo todo ao meu lado...
Tenho que fazer coisas que jamais imaginei que pudesse cumprir. É necessário ir ao cemitério resolver sobre o túmulo... Mas, preciso ir... Como a morte é estranha... É dolorosa... É fria...
Enfim, o corpo chega meu irmão já esta em casa, dois dias aguardando, dois dias de muita dor... Resultado da autópsia - refluxo... O corpo, que estranho, na verdade Mari chega tarde da noite, precisamos aguardar o dia amanhecer, Med não sai se quer um instante do lado da filha... Chegou a hora de irmos para o sepultamento. Vamos ali abraçados e eu ali cheia de braços e abraços, mas tão vazios se fazem meus braços do abraço que não dei...