quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Vale do Pati - 01/01/11



Anoto a data e me surpreendo com a numeração – 01/01/11. Tudo pronto para voltar. Sérgio ainda não apareceu, acredito que ainda esteja dormindo, mas fico o aguardando para tomarmos o nosso primeiro café deste novo ano e, com certeza, a primeira refeição desta Nova Mulher. A neblina persiste, em nenhum dia no Vale do Pati o sol realmente apareceu, senti falta dele principalmente nas horas dos banhos. Na Chapada Diamantina a água é sempre gelada e sem sol afff, mas apesar do frio os banhos são sempre deliciosos. Voltaremos hoje, reduzi um dia de minha permanência aqui, preciso viajar mais de 400km para voltar para casa e ficaria muito puxado retornar sem um dia de descanso e também preciso visitar algumas pessoas, embora confesse que não sei se terei perna para isso. Meu pé esquerdo está com três calos o que tem incomodado muito, sem contar que ando sentindo muitas dores já alguns meses neste pé e, embora tenha ido ao ortopedista nada foi resolvido e com todo esforço feito estes dias eu tenho sentido bastante... mas, enfim tudo faz parte. 


Engraçado que me dou conta agora que embora tenha feito toda a trilha embaixo de neblina ou mesmo de chuva forte, em momento algum tive alguma crise de espirro... O ar aqui é puríssimo. Espero voltar, ainda há muito o que se explorar. A paz aqui é indescritível e como Sérgio me disse ontem: – “Você veio buscar energia, depois tem que voltar para trazer energia, penso ser difícil poder trazer algo, pois aqui tudo é pleno... não falta nada...


Comento com Sérgio a paz imensa que sinto no Vale do Pati, e ele simplesmente me pergunta: Mas onde mesmo está a paz Kátia??? É a paz está em mim, mas tenho que reconhecer que o Vale abriu as portas de meu coração para senti-la de forma tão intensa e tão presente em mim...



Estou na porta do quarto, aprecio o show do pássaro mais uma vez na copa da árvore, que maravilhoso estar aqui, apenas agradeço, nada tenho a pedir... A neblina vira chuva e ele se vai, observo que a névoa cobre o paredão. Próximo onde estou tem uma barraca de camping e escuto o rapaz falar: “estava 20 graus abaixo de zero...” Lembrei de você!


Ontem tomei 2 latinhas de cerveja e é interessante verificar que apesar de natural, não tive dor de cabeça, azia, nenhum mal estar... Estou tão bem que até mesmo a cerveja quente estava gostosa... Meia noite pude ouvir a zoada de fogos, acredito que do pessoal que estava na casa de Sr. João, havia um grupo que anunciava sua chegada com os foguetes no dia anterior no final da tarde e, como o barulho encontrava grande eco nos paredões, pensei comigo – coitado dos animais! Vi muitos pássaros voarem assustados... Vejo que nós seres humanos temos muito que aprender e aqui no Vale do Pati somos apenas visitantes e, como tal deveríamos respeitar o espaço de quem vive aqui.



Precisarei de toda proteção, a chuva está intensa, mas sairemos assim mesmo, o mais difícil aqui: é que o terreno fica muito escorregadio... Mas lá vamos nós...









 Paro embaixo de uma árvore, abraço por alguns instantes seu tronco tentando me energizar. Interessante observar que estou suando mesmo embaixo de intensa chuva... Sérgio pacientemente me espera, como digo sempre a ele nos momentos em que vejo que preciso respeitar os limites de meu corpo - O coração amigo está aqui como uma verdadeira escola de samba - SQBUM BUM BUM... Assim ele fica nas íngremes subidas que não são poucas... Mas nem sei dizer o que agora fica mais dificil, subir com a respiração muito ofegante e o coração muito acelerado ou se nas descidas que preciso usar toda a força no tornozelo e joelho para sustentar o corpo e não cair neste terreno tão esgorregadio, e ainda tendo que esquecer a dor que sinto em meu pé esquerdo... Talvez a beleza esteja justamente em poder sentir tudo isso e aqui preciso estar sempre no AGORA, aqui preciso estar sempre PRESENTE no PRESENTE... Não seria isso um grande PRESENTE? Então do que reclamar? Absolutamente de NADA...

Não posso crer, mas teremos que subir o enorme paredão... Já foi uma luta descê-lo... subir então como será... Respiro, oro e começo a caminhada com meu amigo, no meio da descida do caminho ele teve a gentileza de carregar também a minha mochila, eu estava exausta e sem o hábito de levar tanto peso assim já estava botando a língua pra fora, sem contar a falta de jeito de descer por aquelas pedras mesmo utilizando a todo instante do 5º membro... Lembro até de um Patizeiro (pessoa que nasce no Pati) que passou por nós, descalço e quando olhei num instante sumiu de vista. Eu só não tinha imaginado que teria que subir... mas lá vamos nós...



Sorrio e choro ao mesmo tempo. Por dois momentos achei que não conseguiria superar aquele paredão, na primeira vez até tirei a mochila, a joguei por cima da pedra... O cansaço era grande e minha perna parecia não obedecer ao meu comando, passei a forçar mais a perna esquerda, mas ali naquela rocha eu não tinha segurança em me apoiar nela, a perna direita então tremia... Quando pensei em tirar a mochila, Sérgio me alertou que não deveria, só então vi que não teria força para jogá-la a ponto de cair em local seguro e não despencar lá embaixo... O coração agora estava descompassado mais de medo de que de cansaço... Digo a ele que não vou conseguir e ele apenas me responde: "Se é o que você está dizendo assim será"... simplesmente virou as costas e saiu... Naquele momento conversei com meu corpo, até Sérgio já havia me  aconselhado isso... Peço força ao Cosmo e lá fui eu pisando numa pequena abertura na rocha e corajosamente jogando meu corpo por cima dela... Nem podia acreditar que havia conseguido... Dali em diante coloquei em minha cabeça que devia apenas olhar para o passo seguinte. Procurei esquecer o quanto ainda faltava subir, olhando apenas para trás quando estava num local seguro e, quando via a trilha lá longe me dizia - Eu já estou aqui e veja onde eu estava... como andei... falta pouco... e assim fui superando passo a passo aquela subida, tanto que quando cheguei, eu mesma nem acreditei quando Sérgio me disse: "Kátia enfim chegamos" nem queria olhar, achando que pudesse estar brincando, mas quando vi que faltava apenas um metro, fui tomada de uma emoção imensa e não segurei o choro... o riso.. e toda aquela mistura de emoção que me invadiu o peito, pois sei que ali eu superei muito além do que aquele paredão, ali eu me superei.
                                                                           Sérgio
Sérgio me diz: "acho que você observou que não estou lhe mimando... sei que está sendo difícil, mas também sei que você é capaz"... Que menino fantástico, tão novo e tão cheio de sabedoria... Jamais precisei dizer a ele que queria ficar só, parecia até que havia uma comunicação telepática entre nós... Quando começava focar meus sentidos nos sons do vento nas plantas,  percebia que Sérgio já estava longe e eu podia andar ouvindo a natureza falar comigo... E foi assim todo trajeto, ele soube respeitar meus momentos de silêncio que não foram poucos... e soube também cantar música, contar história nos momentos que mesmo em paz, parece que ele percebia a solidão querer se apossar de mim e ela embora rondando, não conseguiu me abraçar, afinal o Vale do Pati despertou a Kátia/flor que a muito dormia em mim...



Prepare seu coração Sérgio começa a cantar e nem desconfio que preciso preparar meu coração para o que vem a frente. UAUUUUUUUUUUUU fico sem palavras, você tem que estar aqui, nem mesmo às imagens registradas na foto podem dar a dimensão do que vejo... O que vejo? O paraíso!





        Vale do Pati
        vale ir...
        vale pra ti
        ir pro Vale do Pati!




O vento frio bate em mim, mas é estranho que apesar da neblina fina que cobre meu corpo, o frio não incomoda. Na realidade há um calor em mim que me aquece o tempo todo... E a neblina persiste, então posso entender a sua mensagem e mansamente abro as portas de meu coração e ela invade lavando a minha alma.

Tudo é verde...
Observo admirada cada tom que,
embora verde
é de uma diversidade incrível...
e me delicio com todo este verde
Verde mar...
Verde claro...
Verde sumo...
E o verde tão gostoso
que embora longe
está aqui presente
no meu pensar...
E seguro neste momento
em meu pensamento
O tão terno verde
do teu olhar...


Paramos para lanchar, não tenho noção da hora, mas a fome é um bom relógio para meu corpo... Já saímos do Vale do Pati e estamos no Vale do Capão, a beleza por aqui também é encantadora, vejo a perder de vista pés de marcela... Paro um minuto. E faço uma oração a mãe terra que gentilemente me acolhe neste lugar... Sérgio trouxe o delicioso pão da casa de Sr. Wilson e quando estamos ali saboreando, não posso crer, mas temos convidados, fico quieta observando, são dois tico-tico que tranquilimanente ciscam por ali... Meu amigo me diz que são mansos e que se eu jogar uma migalha de pão virão comer ao meu lado, mas quando penso em fazê-lo ele me pergunta: - Você acha que deve alimentá-los? Fico por alguns instantes sem entender e ele conclui: - "Kátia amanhã você não estará aqui para alimentá-los."... Decido não jogar as migalhas  e me contento apenas em apreciá-los...

 Fico quieta, atenta a cada som...
há um silêncio encantador...
um silêncio cheio de sons... 
o vento assobia...
as folhas gritam...
os pássaros cantam...
e toda esta melodia
enlaça meu coração...




                                                                      
 Ao chegar na Rodoviária coincidentemente encontrei com os três americanos que estavam no Vale do Pati e que, por várias vezes na vinda nos cruzamos pelo caminho... Sorri sozinha e me disse, menina mantenha a energia do vale, mesmo aqui neste mundo de concreto e tão concreto... (04/01/11)
                                                                                  

Nenhum comentário:

Postar um comentário